O Tribunal de Um Homem Só; O Colapso da Imparcialidade.
O Tribunal de um Homem Só: No coração de qualquer democracia que se preze, o equilíbrio entre os poderes não é apenas uma formalidade, mas sim uma garantia essencial. Contudo, quando esse equilíbrio é comprometido, abre-se caminho para práticas que, embora travestidas de legalidade, flertam perigosamente com o autoritarismo.
De fato, é exatamente isso que vem acontecendo no Brasil contemporâneo, onde a figura de um magistrado, Alexandre de Moraes, parece centralizar funções que, em qualquer Estado de Direito, deveriam ser rigidamente separadas.
Quando a Mesma Toga Veste Todos os Papéis
Não é de hoje que a sociedade brasileira observa, perplexa, o avanço de decisões que misturam, de forma extremamente preocupante, as atribuições de investigador, acusador, vítima, relator e juiz, tudo sob uma mesma toga.
Portanto, se isso não soa alarmante, é porque, talvez, a naturalização desses atos esteja anestesiando, infelizmente, a percepção pública sobre o real perigo que isso representa.
O Princípio Que Está Sendo Rasgado
É fundamental entender que o princípio da imparcialidade é, sem dúvida, um dos pilares da Justiça. Sempre que este princípio é violado, o risco não recai apenas sobre os acusados de hoje, mas sim sobre toda a sociedade de amanhã.
Afinal, se o mesmo que acusa é quem julga, onde está, de fato, o espaço para a defesa? E, mais grave ainda, se aquele que deveria garantir os direitos fundamentais se coloca também como vítima, quem, então, fiscaliza o fiscal?
A Construção de Um Modelo Perigoso
Vale destacar que esse cenário não surgiu, absolutamente, de uma hora para outra. Pelo contrário, ele vem sendo construído, peça por peça, através de interpretações elásticas da Constituição, resoluções internas pouco questionadas e, sobretudo, de um discurso que justifica qualquer medida em nome da defesa da democracia.
Contudo, aqui reside uma das maiores e mais perigosas contradições dos tempos atuais: defender a democracia enquanto se enfraquecem, deliberadamente, os próprios pilares que a sustentam.
O Espetáculo Jurídico e Seus Personagens
Durante as últimas audiências, ficou absolutamente evidente como esse modelo concentrador de poder transforma o processo jurídico em um verdadeiro espetáculo.
Assim, a imagem de quatro Alexandres de Moraes — juiz, acusador, relator e vítima — não é, de maneira alguma, apenas uma crítica simbólica. Na realidade, ela traduz, de forma clara, aquilo que tem sido amplamente denunciado por juristas, jornalistas independentes e cidadãos atentos.
Medidas de Exceção? A História Sempre Avisou
Por um lado, há quem defenda que medidas excepcionais seriam necessárias em tempos excepcionais. Entretanto, essa lógica, utilizada historicamente por regimes autoritários, serve para justificar todo tipo de excesso.
Além disso, não é surpresa para ninguém que a história nos ensina, de maneira bastante clara, que, uma vez que esses mecanismos se consolidam, dificilmente são revertidos.
O STF Não Está Acima da Constituição
Embora o Supremo Tribunal Federal tenha, indiscutivelmente, como missão proteger a Constituição, ele, obviamente, não está acima dela. Portanto, quando um ministro acumula, simultaneamente, o papel de investigador, vítima, acusador e juiz, a linha que separa o Estado de Direito do Estado de exceção começa, lamentavelmente, a desaparecer.
E o mais alarmante é perceber que isso ocorre, frequentemente, sob o silêncio — ou até o aplauso — de uma parcela considerável da sociedade.
O Precedente Que Pode Pegar Você Amanhã
Além disso, é necessário destacar que essa concentração de funções não ameaça apenas os acusados de hoje. Na verdade, ela cria um precedente perigosíssimo que pode, em breve, alcançar qualquer cidadão, qualquer jornalista, qualquer empresário ou, até mesmo, qualquer político que ouse discordar da narrativa dominante.
Em outras palavras, o que hoje parece algo distante, amanhã pode bater diretamente à sua porta.
Liberdade de Expressão no Banco dos Réus
Diante desse cenário, não faltam, de forma alguma, vozes dispostas a denunciar esse modelo. No entanto, elas são, quase sempre, rapidamente rotuladas, desacreditadas ou até judicializadas.
Isso revela, com absoluta clareza, que a liberdade de expressão também se torna vítima quando a justiça perde, definitivamente, sua imparcialidade.
A Mídia Que Cala, Consente
Por outro lado, a mídia tradicional, que deveria, por sua própria natureza, exercer um papel fiscalizador, muitas vezes se omite. Seja por alinhamento ideológico, seja por interesses econômicos ou, talvez, por covardia institucional, grande parte dos veículos prefere ignorar os abusos.
Dessa forma, reforçam uma narrativa única, sufocando completamente o contraditório.
O Devido Processo Não É Detalhe — É Pilar da Democracia
Vale reforçar que, em qualquer sistema verdadeiramente democrático, o devido processo legal não é, de forma alguma, um detalhe burocrático. Pelo contrário, ele é uma salvaguarda imprescindível contra o arbítrio.
Portanto, separar, com rigor, as funções de investigar, acusar e julgar não é apenas um capricho institucional, mas sim uma garantia inegociável de que ninguém será perseguido sem defesa, sem prova e sem direito a um julgamento justo.
Um Problema Ético, Institucional e Democrático
Assim sendo, quando se vê um ministro acumulando, de maneira tão explícita, todas essas funções, não se trata, simplesmente, de um problema técnico-jurídico.
Na realidade, estamos diante de um problema ético, institucional e, sobretudo, profundamente democrático. Ignorar isso é aceitar, de forma perigosa, que o futuro da nação seja guiado por decisões monocráticas e centralizadoras.
Hoje É Com Eles. Amanhã Pode Ser Com Você.
Portanto, a sociedade brasileira precisa, com urgência, refletir seriamente sobre os rumos que está tomando.
Defender, com firmeza, o equilíbrio entre os poderes não é, em hipótese alguma, defender criminosos, como alguns tentam, insistentemente, fazer parecer. Na verdade, trata-se de defender a própria democracia, que se sustenta justamente na limitação dos poderes e no respeito absoluto às garantias individuais.
Se hoje aceitamos que quem acusa também julga e, ainda, se faz de vítima, amanhã não poderemos, de modo algum, reclamar quando a própria liberdade estiver, tragicamente, no banco dos réus.
E, nesse dia, talvez seja, infelizmente, tarde demais para perceber que o tribunal de um homem só não julga pessoas. Na verdade, ele condena, silenciosamente, toda uma nação.